6 Minutos de leitura 19 set 2019
People Exchanging Money Vegetables Market Stall

Por que o fim do dinheiro é mais que uma questão financeira?

Por Jan Bellens

EY Global Banking & Capital Markets Sector Leader

Passionate leader on innovation in financial services, especially in emerging markets. Global citizen. Keen traveler.

6 Minutos de leitura 19 set 2019

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  • The end of cash infographic (pdf)

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  • The end of cash: Why, when and how to flick the switch (pdf)

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Os bancos podem se empolgar com a perspectiva de uma sociedade sem dinheiro em espécie, mas a economia digital levanta questões de identidade e inclusão.  

A
s transações sem dinheiro não são novidade, mas sua participação nos meios de pagamentos está crescendo rapidamente. As tecnologias avançadas, especialmente o smartphone, impulsionaram o rápido crescimento da economia digital e permitiram uma explosão de soluções financeiras não tradicionais.

A ascensão da economia digital 

O ritmo e a natureza desta transição são diferentes em todo o mundo

  • Em toda a União Europeia, os serviços de pagamento via transferência entre contas estão se proliferando.
  • Canadá, Austrália e Cingapura estão entre os países que licenciam instituicoes não bancárias para iniciar pagamentos digitais e móveis.
  • Na Ásia, o WeChat Pay e Alipay, da China, que combinam funcionalidade transacional e de baixo custo com recursos de compras e estilo de vida, estão liderando o caminho.
  • Nos EUA, os cheques ainda são amplamente utilizados e apenas 53,5% das transações com cartão usavam autenticação moderna de chip e PIN EMV em 2018.
  • O modelo de operação de dinheiro móvel (MMO) - onde os consumidores transferem crédito para um celular - é forte na África Subsaariana, liderada pelo m-Pesa do Quênia, que desde então se expandiu para o Afeganistão, África do Sul, Índia, Romênia e Albânia.
  • Na América Latina, muitas pessoas continuam sem banco, apesar da pressão do governo para o uso de pagamentos eletrônicos visando conter a corrupção.

Transações europeias baseadas em dinheiro

79%

de todas as transações de ponto de venda na Europa em 2016 foram baseadas em dinheiro. Fonte: Banco Central Europeu, novembro de 2017

Garantir que os consumidores dependentes de dinheiro físico não sejam deixados para trás em uma economia digital

Enquanto as transações sem dinheiro estão aumentando a cada ano, o dinheiro ainda é rei em todos os mercados. Mesmo na Europa, onde os serviços financeiros on-line são bem estabelecidos, econômicos e fáceis de usar, os pagamentos em dinheiro das famílias totalizaram 1.7t em 2016, em comparação com 1.1t em cartões.

Alguns consumidores estão ligados ao dinheiro por razões culturais. Por exemplo, os EUA são um país de grande inovação tecnológica, mas os americanos ainda pagam com dinheiro cerca de um terço das compras e utilizam cheques com a mesma frequência que usam formas de pagamentos digitais.

Para outros, a perspectiva de ficar sem dinheiro não seria apenas indesejável, mas teria conseqüências prejudiciais. Quando a Índia retirou certas notas bancárias do sistema financeiro da noite para o dia, a população descobriu que 86% de seu dinheiro não era mais válido.

Vários anos depois, e apesar de uma forte pressão do governo para acabar com o uso de cédulas e uma infinidade de novos provedores de pagamentos digitais, 72% das transações com consumidores na Índia ainda são realizadas com dinheiro. Muitos comerciantes, principalmente nas áreas rurais, simplesmente não estão dispostos ou podem pagar taxas, pelo que geralmente são transações de baixo valor. A conectividade de rede também é um problema.

Mesmo na Suécia, conhecido como o país que menos utiliza dinheiro, a rápida retirada de notas e moedas de circulação levou a um debate político sobre como alguns membros da sociedade, particularmente populações rurais, mais velhas ou com deficiência, podem ser deixados para trás.

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  • Faça o download do relatório da Economist Intelligence Unit, patrocinado pela EY. O fim do dinheiro: por que, quando e como apertar o botão.

O problema é que poucas mudanças para modelos sem dinheiro foram planejadas de uma perspectiva de cima para baixo. David Birch, autor de Before Babylon, Beyond Bitcoin: do dinheiro que entendemos ao dinheiro que nos entende, acredita que três questões precisam ser abordadas.

  1. Definindo o “fim do dinheiro”: o dinheiro será removido inteiramente? Há alguns sinais que apontam para os benefícios da natureza autônoma do dinheiro; por exemplo, durante protestos em Hong Kong, alguns cidadãos compraram bilhetes de transporte com dinheiro, para que não pudessem ser rastreados. No entanto, se as empresas são forçadas a manter opções de pagamento, alguns defendem que elas devem ser compensadas pelo custo de manuseio de notas e moedas.
  2. Ações ajustadas para não deixar ninguém para trás: governo, bancos centrais e o setor privado devem trabalhar juntos para garantir que todos os meios de pagamento existentes e novos trabalhem juntos.
  3. Determinando quem "emite" o dinheiro: o caminho mais justo a seguir, talvez seja os bancos centrais criarem dinheiro eletrônico, com iniciadores e processadores de pagamento usando a infraestrutura do banco e, assim, garantindo acesso justo e igualitário. Questões de concorrência e interoperabilidade podem surgir se deixadas ao setor privado.

Os bancos não podem simplesmente deixar o problema para os reguladores. Eles devem assumir um papel fundamental no desenvolvimento de soluções digitais inovadoras que capacitem mais participação na economia formal. Esta é uma importante oportunidade de crescimento também. Os bancos poderiam aumentar sua receita anual global em US$ 200b (equivalente a 20% da receita dos bancos de mercados emergentes em 2016) ao atender melhor os excluídos financeiramente nos mercados emergentes.

A tecnologia pode aumentar a inclusão - se os consumidores confiarem nela

Certamente, a tecnologia que impulsiona a economia digital pode ajudar na participação daqueles que podem ser excluídos por meio de práticas bancárias convencionais. Por exemplo, muitos das instituições não bancárias do mundo não possuem a documentação necessária para a verificação tradicional do seu cliente (KYC). O esquema eletrônico de Aadhar da Índia usou autenticação biométrica, inclusive por meio de impressões digitais e íris, para superar essas barreiras e verificar identidades digitais de mais de um bilhão de pessoas, revolucionando as taxas de inclusão financeira do país.

Inclusão financeira

1.7b

Pessoas sem conta em banco no mundo

Porém, a criação de identidades digitais aumenta a preocupações sobre como elas são gerenciadas e protegidas. Muitos alertam contra colocar IDs inteiramente nas mãos dos governos. Mike Cowen, chefe de pagamentos digitais e laboratórios da Mastercard no Reino Unido, Irlanda, países nórdicos e países bálticos, sugere "graus de validação", com informações obtidas de diferentes fontes públicas e privadas, dependendo do nível de autenticação necessário. "Se nenhuma entidade é proprietária da sua identidade, você é o dono dela, e ela é suportada por várias fontes", diz ele.

Fazer isso da maneira certa é fundamental para superar a barreira da confiança que está impedindo alguns consumidores de se envolverem totalmente na economia digital. Apesar da proliferação de opções de bancos digitais, os clientes pesquisados ​​em nossa série recente de relatórios sobre open banking, disseram que são cautelosos em compartilhar dados com instituições financeiras e incertos quanto à necessidade e benefícios dos bancos on-line. Medidas e regulamentação mais fortes de segurança cibernética são maneiras óbvias para ajudar a criar confiança. No entanto, descobrimos que geralmente são os mercados com leis mais rigorosas, como o Reino Unido, que têm mais clientes céticos. A capacidade das instituições financeiras de inspirar confiança através da inovação em soluções sem dinheiro pode ser uma maneira mais eficaz de avançar.

Uma sociedade sem dinheiro conectada globalmente ainda está muito longe

Uma economia sem dinheiro seria verdadeiramente global - permitindo que as transações fluissem perfeitamente através das fronteiras? As evidências sugerem que isso pode não ser tão fácil.

Vemos alguns países conectando seus sistemas em tempo real para permitir transações entre fronteiras, mas uma câmara de compensação automatizada (ACH) de transferências em todo o mundo por US $ 689 bilhões em remessas globais anuais está provavelmente a anos - ou décadas - de distância.

Enquanto isso, o potencial das criptomoedas, como o Bitcoin, para criar uma economia digital global ainda está para acontecer. E as tentativas de gigantes da tecnologia, como o Facebook, para estabelecer sua própria moeda digital global enfrentam barreiras, incluindo a disposição dos consumidores de usá-las e a cautela dos bancos centrais. O presidente do Banco da Inglaterra, Mark Carney, afirmou que a Libra deve ser "sólida" desde o primeiro dia, enquanto o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, alertou que a Libra levanta "muitas preocupações sérias sobre privacidade, lavagem de dinheiro, proteção ao consumidor e estabilidade financeira".

Uma futura economia digital deve ser segura e justa

O dinheiro é caro para os bancos e um fardo para os governos que combatem a economia informal. No entanto, embora uma sociedade sem dinheiro faça sentido em muitos níveis, há riscos em pressionar uma transformação muito difícil e rápida demais. Os sistemas digitais devem ser seguros e, criticamente, justos. A inclusão financeira é um imperativo global que pode ser ativado por opções sem dinheiro que ajudam a construir um mundo de negócios melhor, enquanto abrem novas oportunidades de crescimento para os bancos.

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Resumo

O fim do dinheiro pode não ser tão próximo ou utópico como alguns acreditam. A transição das notas e moedas para um sistema financeiro cada vez mais on-line trará benefícios econômicos para bancos e governos, mas os riscos de avançar muito rápido e radicalmente são significativos. Os sistemas financeiros digitais devem ser seguros e confiáveis, e usar a inovação para inspirar confiança e aumentar a inclusão.

Sobre este artigo

Por Jan Bellens

EY Global Banking & Capital Markets Sector Leader

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