6 Minutos de leitura 4 ago 2020

Seis pontos de atenção para o setor financeiro no pós-Covid-19, em linha com o Open Banking e o PIX

Autores
Rafael Schur

Sócio da EY e Líder do segmento de Mercado de Serviços Financeiros para o Brasil

Líder do segmento de Mercado de Serviços Financeiros, Rafael acumula mais de 25 anos de experiência no desenvolvimento de soluções para projetos que alinham estratégia, governança e tecnologia.

Flávio Peppe

Sócio da EY e LAS Banking & Capital Markets Leader

Sócio líder para Banking & Capital Markets da EY em LAS, Peppe conta com mais de 29 anos de experiência em serviços de auditoria em instituições financeiras, seguradoras e fundos de investimento.

6 Minutos de leitura 4 ago 2020
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Estudo EY Future Consumer Index mostra como o brasileiro encarou a pandemia, as mudanças de comportamento na relação com o dinheiro e como essas mudanças são alavancadas pelas novas regulamentações do sistema financeiro.

ACovid-19 vem provocando mudanças importantes no comportamento dos consumidores e acelerando transformações que já se desenhavam – descritas no artigo “Quatro sinais de que a COVID-19 está remodelando o comportamento dos consumidores em relação aos bancos”.

Tais mudanças estão sendo impulsionadas pela combinação de novas regulações focadas nos consumidores, como Open Banking, PIX e LGPD, assim como pela ascensão dos consumidores nativos digitais e pelo surgimento de novas tecnologias disruptivas que estão mudando o setor financeiro. Ao longo dos últimos meses, temos notado que a necessidade de isolamento social vem provocando um aumento da digitalização de processos de negócios e de jornadas de compra, impactando, de forma relevante, a maneira como os clientes se relacionam com marcas, produtos e serviços de forma geral e, consequentemente, como eles se relacionam com seus provedores de serviços financeiros.

Em nosso estudo “Quais os desafios para o sucesso do Open Banking no Brasil?”, já havíamos observado que os consumidores, principalmente os mais jovens e os de maior renda anual, apresentavam um sentimento positivo para migrar para serviços financeiros digitais e já usavam produtos e serviços de fintechs.

1) Os consumidores estão mais preocupados com suas finanças

A pandemia da Covid-19 aumentou a preocupação dos brasileiros com sua situação financeira. Em um ambiente de desemprego já elevado, a paralisação dos negócios levou à suspensão de contratos de trabalho e à redução de salários. Com isso, 68% dos entrevistados pelo EY Future Consumer Index disseram estar muito preocupados com os efeitos da pandemia sobre sua situação financeira, contra apenas 11% que demonstram otimismo. A consequência desse pessimismo é a mudança de hábitos no curto prazo: 75% dos entrevistados fizeram alterações na maneira como se relacionam com o dinheiro, seja gastando menos, seja adotando outros meios de pagamento.

2) Os consumidores aceleraram sua digitalização

Em um momento em que contatos pessoais podem levar à contaminação pelo coronavírus, os consumidores passaram a usar menos dinheiro vivo: 46% afirmaram ter aumentado o uso de meios digitais, contra apenas 7% que mantiveram o uso de dinheiro (uma diferença de 39 pontos percentuais). Dos entrevistados, 59% passaram a usar mais o banco on-line enquanto apenas 5% continuarão com seu relacionamento bancário no ambiente físico (uma diferença de 54 pontos percentuais).

Com o aumento do uso, caem as barreiras culturais para a adoção de meios digitais. Apenas 7% dos entrevistados se disseram preocupados com questões de privacidade e 28% indicaram preocupação com segurança na adoção das plataformas digitais. Quanto mais os consumidores experimentam ferramentas financeiras on-line e novas possibilidades de pagamento que reduzem o atrito das transações, maior a possibilidade de que esse se torne um comportamento permanente no pós-pandemia.

3) A digitalização começa pelos mais novos e mais ricos

O estilo de vida mais digital vem sendo impulsionado pelas gerações mais jovens - os chamados “nativos digitais”. Millennials e Geração Z usam menos dinheiro que Baby Boomers e são mais ativos na adoção de novos meios de pagamento. Além disso, quanto maior o poder aquisitivo da população, maior a familiaridade com o uso de tecnologia, o que simplifica a adoção de meios digitais de pagamento. Os nativos digitais têm mais facilidade e disposição de experimentar novas tecnologias. Ao mesmo tempo, podemos supor que quanto maior a renda disponível, maior a possibilidade de adquirir smartphones, wearables e outros dispositivos já equipados com meios de pagamento contactless. O início da operação do sistema de pagamentos instantâneos do Banco Central, o PIX, no fim de 2020, oferecerá um estímulo extra ao uso de pagamentos por meios digitais. Especialmente entre a população de baixa renda, a possibilidade de uso dos links de pagamento torna a digitalização do sistema financeiro mais palpável.

4) Banco on-line alcança o público mais jovem e de maior renda

Ao observarmos os dados de aumento do uso dos bancos de forma on-line, fica claro que, no Brasil, não existe um único comportamento do consumidor bancário. Percebemos que os consumidores de renda média da Geração X até a Geração Z concordam com a afirmação de que usarão mais o banco on-line nos próximos um a dois anos. Já na faixa de renda mais alta, essa predominância aparece nas Gerações Xennial e Millenial. Quando observamos a faixa de renda mais baixa, a predominância se encontra nas Gerações Millenial e Z. Com base nessas observações, podemos afirmar que quanto maior a renda e menor a idade, maior a propensão dos consumidores em aderir a soluções bancárias on-line.

Essa divisão entre consumidores com maior propensão a aderir ao banco on-line e aqueles que ainda preferem realizar atividades bancárias de forma tradicional cria uma dificuldade para as instituições financeiras e para as fintechs, que precisarão desenvolver várias estratégias de mercado e, consequentemente, diferentes modelos de negócio para atender às distintas expectativas presentes em toda a população.

Com a implementação do Open Banking, em que um elemento regulatório central é o consentimento do consumidor, essa divisão de preferências de como realizar as atividades bancárias deve materializar-se ainda mais. Podemos esperar alto engajamento por parte dos mais jovens e da população de renda mais alta no uso de serviços dos provedores on-line, mas baixo engajamento por parte dos mais velhos e das populações com menor renda, implicando que o modelo de banco tradicional ainda perdurará no Brasil por mais algum tempo.

Mudanças no comportamento de consumo nos próximos 1 a 2 anos
(diferença entre respondentes que indicaram concordância com o conceito "vou realizar mais transações financeiras online" e os que discordaram (uma diferença de 54 pontos porcentuais).

Guardadas as questões relativas a eventuais necessidades de melhoria nas estruturas de segurança e, mais importante, de cultura de segurança cibernética dos consumidores, a migração de um número maior de clientes que passaram a utilizar (e a ter mais confiança) nas plataformas bancárias digitais, além de representar a aceleração de uma tendência já esperada, também pode indicar que as ferramentas para a materialização do Open Banking serão mais bem aceitas. Esse evento irá demandar uma resposta mais acelerada dos participantes no que tange a investimentos para melhoria das plataformas, mas que será parcialmente compensada pela redução ou redimensionamento da rede de atendimento físico
Flávio Peppe
Sócio da EY e LAS Banking & Capital Markets Leader
5) Economizar é preciso

Em um momento de incertezas sobre o futuro, 61% dos consumidores pretendem economizar mais nos próximos dois anos, enquanto apenas 4% não concordam com esta afirmação (uma diferença de 57 pontos percentuais). Embora esse possa ser um comportamento estimulado pelo atual momento de insegurança, o cenário econômico pós-pandemia pode favorecer a adoção de hábitos mais moderados.

A maior disposição dos consumidores em manter um comportamento de poupança e investimento está entre os mais jovens, da Geração X à Geração Z, e os de renda baixa ou média. Isso pode refletir uma insegurança em relação ao futuro. Por outro lado, é justamente a população com mais dificuldade em cortar custos, seja por menor educação financeira, seja por não ter de onde reduzir.

Do ponto de vista de negócios, entretanto, essa disposição em manter um comportamento mais frugal pode ser aproveitada por empresas que ofereçam soluções de investimentos alternativos com menor valor de aporte inicial, educação financeira e ferramentas de controle de gastos e agregação financeira. Essa tendência confirma informações levantadas em nossa pesquisa “Quais os desafios para o sucesso do Open Banking no Brasil?”, que mostrava que fintechs de investimento e de agregação já estavam sendo utilizadas pela população, ficando atrás apenas de soluções de pagamentos e de bancos digitais em termos do número de consumidores que já adotavam esse tipo de solução financeira.

Mudanças no comportamento de consumo nos próximos 1 a 2 anos
(diferença entre respondentes que indicaram concordância com o conceito “poupar mais após a Covid-19” e os que discordaram do conceito, em pontos percentuais)

O aumento na poupança dos consumidores, assim como na própria cultura de se organizar financeiramente para obter geração de poupança, é uma tendência que se iniciou há alguns anos, advinda de uma maior educação financeira obtida pela conscientização de diminuição do consumo atrelada a uma maior preocupação com o futuro. A redução gradual das taxas de juros, que foi acelerada como parte das medidas econômicas ao enfrentamento da situação atual do mercado, gerou maior consciência dos consumidores em relação ao consumo vis-à-vis à necessidade de poupar. Como resultado, houve um aumento de consumidores que migraram para o mercado de ações, demonstrando uma maior aceitação a riscos, a fim de alavancar rendimentos em um menor espaço de tempo, deixando em parte a renda fixa. Os mais jovens são os que puxaram o movimento de mudança no perfil dos investimentos, buscando um portfólio eficiente em relação ao fluxo por dividendos mesclado com oportunidades de ganho em trading. Trata-se, portanto, de mais um movimento que irá impulsionar as oportunidades para o open banking em relação a produtos com menor ticket médio e melhor atratividade
Flavio Peppe
Sócio da EY e LAS Banking & Capital Markets Leader
6) Novos padrões na retomada

A disposição para consumir no pós-pandemia pode ser classificada em cinco grupos:

  • Back with a bang: representando 22% dos consumidores no Brasil, são aqueles que desejam, assim que possível, retomar os padrões de consumo pré-pandemia;
  • Cautiously extravagant: são 21% dos brasileiros dispostos a pagar um premium em determinados produtos e categorias, compensando com um comportamento mais moderado em outros segmentos; •
  • Get to normal: são apenas 10% dos consumidores brasileiros, que não irão mudar o padrão de compras que possuem hoje. Boa parte desse grupo já não havia alterado seu comportamento com a Covid-19; • Stay frugal: o maior grupo, representando 27% do total no Brasil, tende a racionalizar seu comportamento de consumo na retomada, a partir das lições aprendidas durante a pandemia;
  • Keep cutting: esse segmento, que compreende 20% dos consumidores brasileiros, é o mais atingido pela crise e continuará a promover cortes profundos em seus gastos no pós-Covid-19.

O primeiro grupo (Back with a bang) é o que tem a maior propensão ao comportamento digital, usando menos dinheiro e mais serviços financeiros on-line que os demais. Já o Get to normal, por pretender retomar os comportamentos prépandemia, diz ter a menor disposição a abandonar o uso do dinheiro e a utilizar tecnologia no relacionamento com o sistema financeiro.

Entre esses dois extremos, encontram-se 68% dos brasileiros, com diferentes graus de aceleração de seu comportamento digital. Entre eles, predomina a necessidade de realizar escolhas, seja para abrir espaço para produtos premium (como no caso dos Cautiously extravagant), seja para continuar a reduzir o orçamento (Keep cutting). Soluções financeiras que ajudem a tomar melhores decisões podem influenciar o comportamento desses consumidores.

O comportamento dos consumidores e sua relação com o sistema financeiro foram transformados pela Covid-19. Hábitos adquiridos durante a pandemia permanecerão para grande parte da população, gerando transformações permanentes em modelos de consumo e padrões de relacionamento com marcas, produtos e serviços.

Como podemos observar, o comportamento dos indivíduos e das famílias no que se refere aos serviços financeiros deve polarizar-se ainda mais durante e após a pandemia. Não será possível encontrar uma única estratégia que permita atender a todos. A desagregação da cadeia de valor, impulsionada pela tecnologia, possibilita que novos entrantes concorram para se tornar a interface preferida do consumidor. Por outro lado, o empoderamento deste consumidor lança dúvida sobre se algum provedor conseguirá controlar essa interface. 

Os provedores de serviços financeiros deverão pensar em novos modelos de negócios que deverão coexistir para aproveitar as oportunidades de crescimento e criar diferenciação para atender às preferências dos diversos tipos de consumidores. No nosso entendimento, os provedores de serviços financeiros que conseguirem colaborar para construir um ecossistema financeiro mais forte serão os mais bem-sucedidos nestes novos tempos.

A construção desse novo ecossistema por parte das instituições financeiras não deve se limitar a atender às novas regulações do sistema financeiro aberto (Open Banking) e do sistema de pagamentos instantâneos (PIX), entre outros. Os temas de compliance e de adequação tecnológica devem ser trabalhados em conjunto com a ideação de distintos modelos de negócios, a gestão de parcerias, a gestão de soluções e, principalmente, com a implantação de um modelo de governança robusto que permita que as instituições financeiras – tradicionais ou novos entrantes – atendam às necessidades dos seus consumidores e prosperem. 

Resumo

Nosso estudo EY Future Consumer Index mostra como o brasileiro encarou a pandemia, as mudanças de comportamento na relação com o dinheiro e como essas mudanças são sendo alavancadas pelas novas regulamentações do sistema financeiro.

Sobre este artigo

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Rafael Schur

Sócio da EY e Líder do segmento de Mercado de Serviços Financeiros para o Brasil

Líder do segmento de Mercado de Serviços Financeiros, Rafael acumula mais de 25 anos de experiência no desenvolvimento de soluções para projetos que alinham estratégia, governança e tecnologia.

Flávio Peppe

Sócio da EY e LAS Banking & Capital Markets Leader

Sócio líder para Banking & Capital Markets da EY em LAS, Peppe conta com mais de 29 anos de experiência em serviços de auditoria em instituições financeiras, seguradoras e fundos de investimento.

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